ela entregou-lhe os doces
que tinha acabado de confeitar
foram dias maturando as frutas
colhendo anis, raspando baunilha
e ela caprichava na desenvoltura
que ele, por vezes, se enternecia
outras porém, simplesmente nada via
absorto em sua própria contagem do tempo
em seu estranho método de priorizar a vida
e ela buscava constantemente os seus olhos
não era somente a melhor confeiteira da vila
tinha um beleza que rareava qualquer simetria
mas ele não parecia notar a singularidade de nada
nem do seu belo rosto, nem dos teus doces finos
comeu tudo, sem nenhum cuidado com as fitas
os enfeites, o embrulho cuidadosamente conseguido
migalhas caíram ao chão, misturando-se à poeira
a moça observava em silêncio, incrédula
tamanha pressa em desfazer o que era teu
e nem um mísero doce lhe ofereceu
nem sequer se apercebeu que ela também tinha fome
que enquanto ligava os ingredientes no tacho
imaginava-os a dissolver, colorindo os seus beijos
que no meio daquele melaço, haviam tantos versos
e ela pôs-se a mirá-lo da janela, sua imagem definhar no horizonte
uma avalanche de palavras se amontoavam no peito
mas os lábios da jovem não se desgrudaram
não lhes desejaram boa viagem, nada foi dito
guardaram luto pelo amor interrompido
morte estúpida, que morre mesmo antes de ter nascido
lamenta ter-se demorado tanto a admirar aqueles olhos castanhos
a desejar limpar as suas velhas botas, a aparar a sua barba
a cuidar daquele pobre homem errante, como se fosse um príncipe
e ele caminha ainda sob o efeito de tão doces mimos
quase convencido de que fez o melhor para a moça, partir o quanto antes
fingindo não ver o que aquele par de olhos verdes lhe dizia
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