terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Estátua viva

acho que veio junto
com as outras peças
que eu puxei do armário
veio no meio de outros sentimentos
que eu pensei estarem bem guardados
 
e quando caiu sobre meu colo
fiquei olhando, admirada
ainda sonho? - perguntei ao espelho
ele disse: sim!
o tempo não passa entre nós, é só o vento
que desalinha fios e linhas
do teu cabelo, da tua face 
 
pois quando você me olha
não sou eu quem a vejo
é você mesma, sua alma
que efeito tem nela o tempo?
 
sim, você sonha
e ama feito a mesma menina
que sempre foi, sempre será
esquece o vento, deixe-o ventar
 
é da natureza dele te bagunçar
te fazer virar, rodopiar
soprar as folhas do caminho
assim como é da tua dançar
 

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Por que parou de chover?


 não foi você quem disse
que me ensinaria a ser amada
que não haveria outro
que me amaria como você?
 
então, vai ficar aí parado?
ou vai me puxar para a sua vida
usar as palavras para dizer o que sente
porque eu não leio mentes
 
o silêncio é uma borracha
que vai apagando os poemas
pelo menos aqueles que tenho
escritos dentro do peito
 
é assim que me ensinas a te amar?
tapando meus olhos com vendas
trocando verdades por mentiras
como se fosse um vício
 
não vê que assim vou ter medo
de me confiar novamente a ti
se me levas a caminhar entre pedras
ora lisas, ora pontiagudas
 


Vago


por que eu me sinto tão segura
quando você está por perto?
eu poderia ali ficar para sempre
mas não sei se também te machuco
quanto você a mim, constantemente
 
não me lembro qual poeta disse
que amar é morar em alguém
eu não estou em mim neste momento
estou em você, morando no teu peito
infelizmente, parece que você também
 
no meu não mora ninguém
você me desabitou de repente
desligou o telefone no meio da minha fala
calou minha voz, parou o meu sangue
apagou as luzes e levou as minhas chaves



quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Rasto

Feeling Empty Tumblr
 
ali
ao redor de ti
eu evaporo
o desejo de te tocar
de esquecer
que foi você
quem me esqueceu
primeiro
me faz chorar
sem lágrimas
porque nada
em mim
está úmido esta noite
eu queimo
de despeito
mas vejo
que não tem outro jeito
de me fazer notar
senão desaparecendo


 
partiu os sonhos em mil pedaços
e sem saber o que fazer com os cacos
livrou-se deles ali mesmo, no asfalto
camuflando o que era belo com poeira
 
e eu o observo da minha janela
incrédula com a sua falta de cuidado
com o que também era meu
 


terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Nostalgia

  

sentiu que precisava de ar
correu até lá fora
onde o mar lhe soprava sal
mareando os lábios e o olhar

se esforçando para ver o horizonte
viu a noite
e só

e ainda que ardam os seus recantos
da lembrança de suas andanças
pelas suas partes, pelo seu corpo
falta aquela que em tudo faz arte
 

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Luz que ofusca

 
          Como haveria de transformar mais um dia banal, num dia interessante, logo numa segunda-feira?...Foi indagando sobre o tema que ela atravessou a rua, em piloto automático, cumprimentou o senhor da banca de jornal, sem levantar os olhos, sequer confirmou se ele de fato lá estava, não estava.
          Olhando para a time line do facebook, rolando a página compulsivamente para baixo, a procura do interruptor que lhe ligasse. Não, nada de novidade! - diz em voz alta. Pelo menos o ex-marido não postou mais fotos com a atual namorada - como se eu me importasse com os seus romances, tenho mais o que fazer! - conclui, com ar de deboche.
          Caminhava, lendo, comendo, bebendo, pensando. Ah, como pensava! E de tanto que pensava, não pensava, presa às palavras da tua cabeça, às cobranças, carreira, salário, compromissos, desde à manicure ao relatório financeiro mensal para o CEO da empresa onde trabalhava. Um agenda interminável, atropelada, lhe esperava, impiedosa, às 8 da manhã.
          Ausente de si mesma, poderia facilmente ser substituída por um robô - ninguém daria pela troca! - pensa angustiada, num rasgo de lucidez, num rasgo de presença. Mas o vício do cotidiano lhe prende novamente em sua teia. Nas próximas horas ela vai esquecer que existe, por pensar que existe assim,  definida em palavras bonitas que vão todas parar no currículo, nenhuma nas poesias.
         
          Sara, a secretária, aproveita todas as folgas do dia para escrever poesia - coitada! - condena ela,  assinando os papéis que a moça de unhas vermelhas lhe entrega. Pensa que eu não sei que você faz as unhas aqui, no escritório? - indaga em pensamento, entregando os papéis. Pensa que não percebo quando liga para o namorado, suas risadinhas, seus arquejos? Pensa que não noto no teu pescoço as marcas de uma noite acalorada ? - amontoam-se as perguntas acusatórias em sua cabeça.
          Quando Sara bate a porta atrás de si, ela está rubra de despeito, praticamente aliviada pela partida da secretária. Gira na cadeira e olha para fora do prédio, através da enorme janela, quase do tamanho da parede.
          O mundo lá fora parece um formigueiro, um desfile de carros, táxis, caminhões, pessoas, guardas de trânsito, crianças...enquanto se perde em divagações, nota que a banca de jornal não está no seu lugar. Confusa e intrigada pergunta à Sara:
          _ Sara, para onde foi a banca do seu Bento, aquela ali da esquina?
          Sara faz silêncio por alguns segundos, até que por fim responde:
          _ Senhora, há cerca de 6 meses eu coloquei um envelope na sua mesa, disse-me que o leria quando tivesse tempo. Depois, como vi que não o abriu, guardei-o na sua pasta de 'correspondência por ler'.
 
          Desliga o telefone e dirige-se para o arquivo, retira a pasta e encontra um envelope amarelo com a inscrição 'Para a bela do edifício Bianco'.
          Sorri - só pode ser este - conclui ao lembrar que Bento assim lhe tratava, sempre que parava para comprar revistas.
          Abre o envelope, puxa a carta deixando cair junto um botão de rosa seco e desbotado.
 
'Minha bela,
Estou de partida, mas antes queria lhe dizer algumas palavras, que por excesso de cuidado, nunca disse. Em primeiro lugar, meu nome não é Bento (rs!) e sim, isso eu tentei lhe dizer diversas vezes, mas você assim insistia em me chamar. Meu nome é Jorge.
Um dia fui como você, com pressa de viver, com ânsia de subir as escadas, acumular moedas e títulos, propriedades, viagens, cartões de visitas....
Um dia porém, meu coração disse-me basta e parou de trabalhar compulsoriamente. Sem me pedir autorização, sem aviso prévio ou um simples post it. E eu fui obrigado a fazer algo que não fazia há 20 anos, parei.
E com muita tristeza vi que tinha construído um império, mas meus filhos não me amavam e minha mulher tolerava minha presença, estragada pelo meu mau hábito de compensar minha ausência com pertences. Eu tinha tudo e não tinha nada. E quando eu decidi não ter nada e ter tudo, ela tomou coragem e se separou de mim.
Mais uma vez eu agradeci o infortúnio, depois de sobreviver ao ataque cardíaco, aprendi a melhorar meu ângulo de visão sobre os acontecimentos. Primeiro, aprendi que não os controlo. Depois, aprendi que é uma perda de tempo tentar controlá-los. A criatividade divina é terrivelmente melhor que a nossa, deixe a vida te mostrar os caminhos por onde pode andar, vai-te surpreender minha querida.
Espero que minha carta não esteja te aborrecendo, que tenha lido até o final, que tenha perdido seu tempo comigo, pelo menos uma vez.
Então saberá, Fernanda Costa e Silva, que sei o teu nome, que nunca fui o dono da banca de jornal, que todos os dias eu simplesmente parava lá e te esperava. Que te ver passar, mesmo que apressada eram os minutos mais belos do dia. Que me inspirou a pintar muitas telas, sim, virei pintor ou na verdade sempre fui. Mas adormeci esta paixão para corresponder às expectativas da família. Que você, minha querida, foi muito amada, sonhada, poetizada. E que na única vez em que você me olhou nos olhos foi suficiente, me apaixonei, no mesmo instante.
Torço, de coração, para que não demore a perceber que eu comprei a banca, só para mudá-la de lugar, na esperança que fora do alcance dos raios solares que nela batia de manhã, você possa, sem se ofuscar, me olhar de novo nos olhos. Que sabor tão doce!
Te espero, nem que seja para um café. Sara tem o novo endereço da banca.
 
Não se permita secar, perder as tuas cores e o teu perfume, sem nunca ser tocada por um beija-flor.
Jorge Santarosa
 
           Ela dobrou a carta, calmamente. Ficou em silêncio, pela primeira vez, sem pensamentos. Depois de pegar o endereço de Jorge com a Sara, saiu da sala. Ao pé da escada ouviu seu chefe perguntar em voz alta:
          _Nanda, você terminou o relatório?
          Ela não respondeu, começou a descer as escadas.
          Ele, já aflito, pergunta novamente:
          _ Onde você pensa que vai?!
 
          Ela parou, olhou para trás, direto nos seus olhos, notou que eles eram mais bonitos do que se lembrava. Sorriu ternamente e disse em voz tranquila:
          _ Não penso e é por isso que vou.
 


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Magneto

 
porque você e eu
não somos iguais
aos outros casais
que fomos antes
com outros pares
 
porque você e eu
somos uma nova aquarela
um novo dicionário
uma nova receita
um novo lugar
 
porque você e eu
não temos nada
que nos prenda
mas é tamanha tesla
que parecemos ferro e ímã
 

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Percepções

enamorados | Tumblr
 
te quero tão fisicamente quanto for possível
já que de certa forma você nunca vai embora mesmo
então fique, em corpo presente, materializando meus quereres
 
me emociono cada vez que minhas mãos te alcançam
de tão mágico, num momento de puro surrealismo
quando o sonho sai do plano invisível e se torna real
 
a felicidade me deixa num que de insanidade
sem mudar as horas do relógio, sem mexer nas estrelas
sem tirar nada do lugar, mudando por inteiro o meu mundo, meu íntimo

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Invisível

 
hoje não quero pensar em nada
em como vai ficar o meu cabelo
no que vestir ou se combina com os brincos
hoje não vou pensar em existir
quero antes me guardar numa caixa
hermeticamente fechada
sem oxigênio
sem luz
sem pulso
sem barulho
sem amor, sem dor
sem pensamento
e enquanto não expirar a minha validade
enquanto eu resistir aos efeitos do tempo
morrer em silêncio, enquanto sobrevivo
enquanto finjo que vivo
até que a realidade me jogue na cara
todas as suas verdades
e eu de tão morta, já nem ligo